"(...) O aforismo deve ser a última colheita do uso da vida, e não uma impertinência ou uma afronta. Mas acontece que um coração novo encontra na rebelião uma força que se assemelha à sabedoria e que provém do desprendimento das coisas que ele não amou ainda; enquanto que aquele que muito conheceu o mundo, uma vez liberto, encontra-se, além de desamarrado das suas paixões, menos apressado no julgamento. O sábio é o homem que amou tanto a casa em festa como a casa em luto, e o fim e o princípio de todas as coisas. No momento da reflexão, ele pensa que o melhor da terra é não sabermos o futuro que nos está destinado; e, no dia alegre, goza de alegria. Esta condição da alegria não produzirá nunca o falso aforismo, que é apenas um excitante e um divertimento. Goza de alegria o que não encontra no mundo atractivo maior do que a virtude desconhecida.
Assim, lendo os aforismos de Karl Kraus, tomei-os como impróprios dum espírito profundo e sabedor. Como acontece decerto a muita gente inclinada à observação, ele conhece no seu íntimo aquele aforismo magistral: «Mais vale a sabedoria do que a força; mas a sabedoria do pobre é desprezada e as suas palavras não são escutadas». Esse sentimento de indigência que se apodera do indivíduo que pensa com justiça no meio duma turba indiferente, é o que prevalece no repentista dos aforismos. Ele sabe que um improviso veemente e a pedra de escândalo atirada com habilidade podem tirá-lo da sombra e levá-lo a abrir os ouvidos fechados. É por isso que os momentos de maior convulsão da história aparecem prodigiosamente povoados de oradores e de pensadores. Eles são os sábios pobres, aquele que em época discreta e burocrática não chegariam a pronunciar uma só palavra ou não seriam escutados."
Agustina Bessa-Luís, In 'Alegria do Mundo'.