sábado, 1 de novembro de 2008

Zumba!



Ontem ao fim da tarde saí do trabalho e fui até à praia. Desde que lá cheguei até me vir embora, cerca de uma hora depois, dois miúdos estiveram a dar “um” apaixonado beijo. 
A certa altura, fiz um quadrado com as mãos, simulei o visor de uma máquina fotográfica e, com aquelas duas silhuetas entrecortadas pela luz do sol, compus um postal kitsch de verão, daqueles que são colocados em expositores rotativos à porta das lojas que vendem artigos de praia, jornais, revistas, baralhos de cartas, e corta-unhas com o galo de Barcelos ou com a Nossa Sr.ª de Fátima.
Confesso que não deixei de sentir alguma nostalgia daquelas paixões “de verão” que, apesar de sabermos que seriam sol de pouca dura, eram vividas com uma intensidade imensa.
Quando nos enfiávamos no carro com os nossos pais para ir de férias, partíamos já com a ideia de que há amar e amar há ir e voltar, nunca confundindo as paixões de verão, associadas à praia e aos corpos queimados, às de inverno, associadas à escola e aos cachecóis, porque eram, de facto, coisas diferentes. Tudo era leve.
Os anos passavam e os sentimentos agravavam-se. Entre os dezassete e os vinte anos, as coisas tornavam-se mais sérias e havia já algumas relações com uma espécie de garantia de 3 anos ou 100.000 Kms. Mas nem sempre tudo eram rosas. Mais cedo ou mais tarde, acabava por chegar a altura em que se perguntava “quem te pôs a mão sabendo que és minha?”, ou vice-versa, o que resultava em choro e ranger de dentes mas, como todos sabemos, o tempo sempre foi panaceia para esse tipo de males e, no Natal seguinte, fazíamos as pazes, e até oferecíamos um presente àquela que nos fizera sofrer e que tanto odiáramos uns meses antes, quanto mais não fosse uma réplica de um daqueles objectos que tornaram o Bordalo Pinheiro famoso.
De qualquer das maneiras, com mais ou menos peripécias pelo caminho, e dentro do ciclo habitual que se faz habitualmente dentro das sociedades aburguesadas, a vontade de “assentar” surge por volta dos 30 anos, num processo que culmina no casamento.
Quanto mais tempo passa, menos me convenço de que as pessoas sabem para o que vão quando se casam – é pelo método de Braille que as pessoas embarcam na experiência.
Em nenhuma outra altura da vida a ideia de Conhecimento V.S. Entendimento assume um carácter tão crucial.
Há tempos, dizia-me um sábio senhor de 94 anos que, numa relação “tudo se resume a sabermos manter a chama acesa, sem nos esquecermos de afastar tudo aquilo que é inflamável.” “No meu tempo, se fosse preciso, até o Zumba com Hormonas tomava”, o que, segundo percebi, era um medicamento cujos efeitos estão implícitos no nome. “As paixões não morrem, queimam-se”, e hoje têm tectos de palha seca.” Depois, com os olhos postos no vazio disse-me: “Tenho saudades da minha mulher...sabe, a solidão é a doença do século”.

JMA

Publicado anteriormente no Semanário Económico.
Foto: Judith Wigren-Slack in Learning To Love You More

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