segunda-feira, 6 de julho de 2009

L.A.



Desta vez fiz férias em Junho. A última vez que me lembro de o ter feito foi no tempo em que a Lena d’Água dizia que sempre que o amor a quisesse bastava fazer-lhe um sinal, há mais de vinte anos, portanto.
Nessa altura, havia em casa dos meus pais uma empregada que se chamava Maria dos Anjos, a quem chamávamos “Los Angeles”, e que tinha um dente no céu-da-boca. De cada vez que alguém ia lá a casa a visita começava invariavelmente pela cozinha - “Los Angeles, abre a boca!”, dizíamos nós, e a pobre rapariga lá a abria, contrariada, para que os visitantes pudessem apreciar devidamente uma coisa tão rara como aquela. Só então prosseguíamos, entre brinquedos, tendas improvisadas, e por aí fora, num sem fim de actividades mais ou menos balneares, muitas das quais praticadas “indoor”, porque a casa não tinha jardim e nem sempre havia que nos levasse à praia. Não foram necessários muitos anos para que aprendêssemos que “o que não há não faz falta”, o que nos ajudou a desenvolver (ainda que contrariados) competências na área da improvisação.
Era também em jeito de improvisação que, quando a “Los Angeles” ia de férias para a sua “terra”, da sua “terra” vinha uma irmã sua substituí-la, que poucas vezes na vida andara de carro. Numa das primeiras viagens que fez connosco, não foram precisos muitos quilómetros para que vomitasse, em jacto, o pequeno-almoço para as costas do banco da minha mãe - uma cena de meter medo ao pior dos demónios d’ O Exorcista. O carro nunca mais foi o mesmo.
Entretanto a Los Angeles acabou por ir embora, para casar, pois claro, com um dos marmanjos que conheceu numa das idas à mercearia, e que todos os domingos a ia buscar para passear. Ainda hoje vai dando notícias, e que saudades tenho dela.
Estas são algumas das muitas recordações que tenho de infância, e é a esta e a outras “Los Angeles” que, como ela, foram tomando conta de nós, que devo parte do entretenimento e seguramente da educação que tive porque, apesar de os meus pais terem sido toda a vida incansáveis na forma como montaram esquemas para nos ocupar os tempos livres, trabalhavam até tarde, e, no verão, não estavam disponíveis a full time mais do que quinze dias.
É uma velha história mas, agora que tenho filhos, dou outro valor aos meus pais e a todos aqueles que durante a vida foram tomando conta de mim. Não é necessariamente mais valor; é “outro” valor.
Entretanto, regressado ao trabalho, há uma frase do Vinícius que me atormenta: "Detesto tudo o que oprime o homem, inclusive a gravata."...E não há semana do ano em que esta frase faça tanto sentido como aquela que se segue a outras duas de férias.

JMA.
Publicado no Semanário Económico (2008).
Poster: M/M Paris.

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