"A um desconforto sombrio e generalizado, a um desconforto por assim dizer metafísico do dono, o afecto de um cão pode trazer um verdadeiro alívio: quando porém as razões de aflição são circunscritas e precisas (uma carta penosa a escrever, uma letra que se vence, um encontro desagradável a enfrentar), não há abanões do rabo que valham; os pobres bichos tentam e voltam a tentar, continuam a oferecer-se até ao infinito, mas não servem de nada; a sua dedicação dirige-se a esferas superiores e genéricas do afecto humano, e contra problemas individuais as suas propostas tombam no vazio: um alão que se acaricia não consola de um sapo que se engole.
Um dos primeiros sinais da reconquistada serenidade de Dom Fabrizio foi, assim, o retomar das suas relações fraternas com Bendicò; de novo se pôde admirar o espectáculo do homem gigantesco a passear pelo jardim juntamente com o cão colosso. O cão esperava ensinar ao homem o gosto da actividade gratuita e inculcar-lhe um pouco do seu próprio dinamismo; o homem desejaria que o bicho, através do afecto, pudesse apreciar, senão precisamente a especulação abstracta, pelo menos o prazer do ócio elegante e senhorial; nenhum dos dois conseguia nada, bem entendido, mas ficavam satisfeitos na mesma porque a felicidade consiste em procurar os objectivos e não em alcançá-los; pelo menos é o que se diz."
In O Leopardo (Anexo A), de Giuseppe Tomasi di Lampedusa.
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