terça-feira, 13 de abril de 2010

Épater le Bourgeois.



"Motor Manufacturing" by Clive Gardiner for the Empire Marketing Board.


A ideia de “work/life balance”, tão em voga noutros países, essencialmente nos do norte da Europa, está ainda num estado embrionário em Portugal. Salvo raras excepções, encontramo-nos ainda no ponto em que se considera competente quem sai às oito ou nove da noite do trabalho, e incompetente ou preguiçoso, quem se organiza para ter vida própria. Por outro lado, as grandes empresas continuam a confundir os “benefits” que atribuem aos seus colaboradores, como os carros, telemóveis, laptops, seguro de saúde, mensalidade no ginásio, entre outros, com a qualidade de vida, maior ou menor, que lhes proporcionam. Naturalmente que há benefícios em trabalhar em empresas que premeiam de forma justa a competência e promovem a progressão de carreira, mas também não deixa de ser verdade que, muitas vezes, os “benefits” são “areia para os olhos”, representando extensões dos locais de trabalho, que fazem com que os colaboradores se sintam obrigados a estar disponíveis a horas em que é suposto estar com a família, com os amigos, ou simplesmente a descansar. Os “benefits” nem sempre trazem benefício.
Nunca houve tanto show-off e, a certa altura, “sabe-se o preço de tudo mas não se sabe o valor de nada”.
O brasileiro Millôr Fernandes disse uma vez: “Pode ser difícil encontrar agulha em palheiro, mas não descalço”. Todos sabemos que nem sempre é fácil encontrar o emprego ideal, mas se nos “descalçarmos”, (e digo isto essencialmente para aqueles que andam à procura do primeiro emprego) - e descalçarmo-nos pode, até certo ponto, significar arriscar áreas que nos digam alguma coisa e que tenham a ver com o nosso perfil em detrimento de alguns dos tais “benefits” que às vezes nos iludem durante anos - teremos certamente uma maior probabilidade de ter sucesso na profissão que escolhemos.
Vejo também que há uma obsessão desmesurada com o academismo. As pessoas saem das universidades e continuam automaticamente o ciclo de aprendizagem nos mestrados, doutoramentos, etc., o que faz com que tenham uma perspectiva teórica do mundo do trabalho, por um lado, e uma enorme falta de noção em relação ao modo de aplicar os conhecimentos adquiridos por outro, e o pior é que dentro deste grupo se encontram alguns professores universitários. Mais importante do que decorarmos supostas técnicas ou fórmulas mágicas é sabermos interpretar realidades específicas e em constante mutação, e ter instinto para reagir, antecipando problemas e soluções. É um processo que se prende mais com a cultura do que com qualquer outra coisa. Obviamente que não pretendo anular o valor intelectual e o empenho inerentes a um mestrado ou um doutoramento, quando feitos a seu tempo e com uma aplicabilidade concreta, mas sim dizer que acho que não vale a pena fazer-se, um ou outro, exclusivamente para se “puxar pelos galões” numa entrevista de trabalho.
Falta “mundo” a uma grande parte dos nossos profissionais, e quando digo “mundo” não é propriamente o mundo que encontramos numa viagem, por melhor que esta seja - até porque, hoje em dia, até as viagens são “de pacote”, oferecendo às pessoas amostras tipo “conserva” de diferentes recantos do mundo, sem grandes margens para o lado romântico da descoberta – mas, essencialmente, falta-lhes ler muito, conhecer pessoas novas, andar a pé, ver filmes antigos, ouvir música para além daquela que está nos postos de escuta da Fnac, saber como improvisar um receita, ou arriscar mudar de emprego.

JMA
Publicado no Semanário Económico/Casual, 2008.

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