terça-feira, 29 de junho de 2010

O Monstro visita a Tate.



Asher Wertheimer
John Singer Sargent -- American painter, 1898
Tate Gallery, London
Oil on canvas
147.3 x 97.8 cm
Presented by the widow and family of
Asher Wertheimer in accordance with his wishes 1922


"O Monstro foi à Tate Gallery visitar a nova ala recentemente construída, em que têm lugar os modernos pintores estrangeiros. Há uma quantidade de Manet, Monet, Degas, Renoir, gauguin, Pissarro, Van Gogh e Mancini. Abundam as fealdades; mas o Monstro tem de dizer que acha Degas um grande pintor. Mas também não sabe explicá-lo. Mas há uma sala totalmente dedicada a Sargent. O Monstro incompetente não sabe apreciar o valor técnico daqueles retratos, que no entanto lhe parece notabilíssimo; mas se a excelência de um pintor consiste na profundidade de vistas, no conhecer até à indiscrição a alma do modelo e projectar esta alma na tela, deve então dizer-se que Sargent foi um dos maiores artistas que já alguma vez existiram.
Nesta sala estão reunidos, entre outros, os nove retratos da família Wertheimer que parece que constituem a obra-prima de Sargent. O Monstro sentou-se à frente deles e divertiu-se como se estivesse no teatro; porque realmente parece assistir-se a uma comédia, tão poderosamente caracterizadas e profundas são aquelas telas; a metáfora do "retrato falante" realizou-se; e estes retratos não só falam, mas dizem o que os modelos nunca teriam ousado confessar.
O papá Wertheimer (seja ele quem for) emerge em redingote de um fundo tenebroso como devia ser a origem da sua fortuna, com a mais risonha e perversa cara de flibusteiro que jamais existiu; a mamã Wertheimer toda coberta de jóias, com os lábios finos e o vestido preto, tenta armar-se em grande dama, tresandando a Ghetto a cem milhas de distância.
Entre as filhas, admiram-se todas as variantes da riqueza corrupta: uma, feia e intelectual de óculos e carrapito, poderá ser à vontade teósofa ou anarquista diletante; a outra é a vacalhona de bom humor, perfumada e encardida e incontroversamente amante do seu chauffeur; e no mesmo quadro vê-se também um odioso irmãozinho, um rapazola de dezasseis anos, sem dúvida com as mãos suadas, ar arrogante, parvo e desportivo; custa-me dizê-lo, com uma aguda parecença com Raimondo Arenella.
Depois vem o irmão mais velho, enfiado numa impecável redingote; aqui, Sargent realizou o prodígio de intuição que é não caracterizar nada, porque não havia nada a caracterizar; o retrato parece incompleto mas não o é: incompleto era o modelo, evidentemente proprietário de cavalos de corrida e grande lion do seu círculo de judeus milionários. Depois, para demonstrar a boa fé do pintor e a sua falta de preconceito, o retrato de um terceiro irmão mostra pelo contrário uma nobre figura de jovem pensativo e leal. Outros retratos representam as meninas trajadas e crianças inúmeras.
Garanto-te que vale a pena vir a Londres só por isto.
O melhor é que a série de retratos foi doada à galeria pelo senhor Wetheimer em pessoa, bem-aventuradamente inconsciente da eterna vergonha a que se expõe; porque no seu retrato se lê a palavra "ladrão" como se tivesse escrita a letras escarlates."

In Viagem pela Europa, de Giuseppe Tomasi di Lampedusa.

Este livro contém algumas das cartas que o autor (que assina o Monstro) dirigiu aos primos Casimiro e Lucio Piccolo di Calanovella entre 1925 e 1930, período em que, viajando pela Europa, testemunhou uma série de transformações políticas, económicas e sociais que antecederam a segunda guerra mundial - o deslumbre com as sessões de cinema Movietone, as peripécias por que tem de passar para tentar resolver o problema de um primo que lhe pedira para tentar avaliar um serviço de chá de Sévres em Londres através de umas fotografias que lhe enviara pelo correio (uma história que recomendo ali para o Utz), ou a democratização do uso de aparelhos de Rádio em Berlim, são alguns dos temas que ilustram e justificam a publicação destas cartas que, naturalmente, seriam de carácter pessoal, mas que, de facto, era uma pena que ficassem fechadas numa gaveta de um palazzo qualquer.

1 comentário:

utz disse...

vou comprar o livro! abrs