"O efeito da democracia nos seus amigos portugueses exibe, segundo Lowater, aspectos curiosos. (…) Afirma o sábio de Kew que a experiência destes vinte anos marcou de maneira diferente, praticamente oposta, por um lado, as visitas lusitanas cá de casa que eram “da situação” antes do Levantamento de Rancho – e, por outro, as que eram “da oposição” antes da Revolução dos Cravos. Nos primeiros tempos, as primeiras assarapantaram-se, algumas fugiram para outros países e o desgosto que lhes causava o que viam à sua volta lia-se-lhes nos semblantes, em jantares macambúzios á roda da minha mesa. As segundas engalanaram em arco, algumas voltaram e vez de outros países e a alegria que lhes causava o que viam à sua volta explodia em gestos, risos, palavras que tornavam difícil qualquer conversa seguida, também à roda da mesa da minha casa de jantar.
A pouco e pouco, porem, este maravilhoso país que tão generosamente me acolhe no seu seio foi assentando. A crista murcha dos “da situação” começou a arrebitar outra vez. A euforia dos “da oposição” tornou-se menos expansiva e, com o andar dos anos, quase deu sumiço.(…)
Afirma Lowater que os antigos situacionistas descobriram que o país que eles tão bem conheciam e cujo desgoverno tanto receavam se adaptou ao novo regime sem estrago de maior e que eles aí vigoram tão à-vontade quanto dantes. A democracia, afinal, não é pior do que a ditadura, tem até a vantagem de já não ser preciso andar sempre com o credo na boca, não fosse alguma conspiração a soldo do estrangeiro deitar tido a perder.
Os antigos oposicionistas, por sua vez, descobriram que o país que eles tão bem julgavam conhecer e cuja libertação tanto apeteciam empochou a democracia como tinha antes empochado outros regimes, sem trazer decência à maneira de as pessoas se tratarem umas às outras, e que eles aí vigoram com sobressaltos, diferentes dos que sentiam dantes, mas sobressaltos ainda. A democracia, afinal, não é muito melhor do que a ditadura, com a desvantagem de já não se poder esperar uma conspiração que derrubasse o regime e destapasse a bondade do povo. A tampa saltou e dentro do tacho havia mais lacraus do que cidadãos impolutos.”
In Bilhetes de Colares, A.B. Kotter a.k.a José Cutileiro.
Sem comentários:
Enviar um comentário