quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Enora.



"Quando, em 1936,Walter Benjamin redigia o ensaio A obra da arte na era da reprodutibilidade técnica, relatando o facto da fotografia e da cópia destituírem a obra de arte da sua «aura», com certeza que não dirigia a sua crítica a trabalhos como os de Rita Magalhães.
Esta artista, nascida nos tempos em que a liberdade irrompia em Portugal (1974), é uma das raras românticas no panorama de uma arte contemporânea que se afundou na indiferença ou, como afirma G. Lipovetsky, numa era do vazio. As suas obras são dotadas de um mistério que se torna necessário resgatar para que a alma não permaneça escondida ou apenas à tona da água. Desta forma, Rita Magalhães contraria a tendência de alguns artistas actuais na atenção dada à superficialidade e ao carácter de definição e perfeccionismo da imagem, convencidos que estão de que a fotografia terá de ser uma forma fiel e frequentemente aperfeiçoada face à realidade que pretendem captar.
(...)
A série Enora (2009), que retira o seu nome da designação técnica de um dos elementos da equipagem das embarcações (base ou abertura que suporta o mastro) e que a artista escolheu por se tratar de um termo de forte conotação feminina, resulta de um estudo inquisitivo idêntico. Nesta série (Turner era igualmente um artista serial), Rita Magalhães aproxima-se da qualidade dos esboços do mestre inglês, sobretudo no que diz respeito às suas aguarelas. Aqui, Turner conseguia, na perfeição, captar um tempo atmosférico que dota à superfície pictórica um velamento idêntico ao que a artista procura nas suas imagens e que nos transmite essa força mágica e nostálgica de observarmos o mundo através de uma janela chuvosa, ou de uma bola de cristal, transpondo, assim, as suas imagens para a nossa intimidade. Igualmente para os artistas contemporâneos de Turner, o retrato do mar e de tudo o que lhe estava associado era mais da ordem do privado do que do público, uma vez que ao último interessava outro género de pintura. O diário íntimo é algo que também pertence ao universo de Rita Magalhães, no desenvolvimento de uma verdadeira arqueologia visual.
O porto marítimo é assim entendido como um lugar verdadeiramente romântico: de passagem, de partida, de chegada, de amores e desamores, de vidas e mortes. É um lugar de horizonte ou, na tempestade, um lugar de encobrimento que revela os medos e o poder do chaos inerente à physis, à Natureza.
(...)
É da suspensão, semelhante aquela da nossa respiração perante a observação do fantasma ou do sublime contemplativo das forças da natureza e do mundo, que tratam as obras de Rita Magalhães. Suspende o tempo e as imagens que nos falam à memória e, ao fazê-lo, torna-as eternas, dá-lhes uma verdadeira alma."

Carla de Utra Mendes.


Enora, de Rita Magalhães.
Galeria Pedro Oliveira, de 9 de Fevereiro a 3 de Abril.

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