quinta-feira, 18 de março de 2010

L’aquila pescatrice.



Young Italian Girl by the Well, por Franz Xavier Winterhalter.

O som tem mais influência no apelo à estética do que à priori podemos supor. Há uns tempos entrei na cozinha de casa dos meus pais para encontrar uma rapariga relativamente rechonchuda, que eu nunca vira até então, a beber um copo de leite. Quando lhe apareci de repente não se atrapalhou por não me conhecer e, com uns bigodes brancos, soltou um alegre “Buon Giorno!”. “Bom dia”, disse-lhe eu, ao mesmo tempo que tentava descortinar a origem de tão alegre criatura. Qualquer coisa como “Sono amica di João” (e o João é um dos meus irmãos) esclareceu-me até certo ponto. Vim a saber mais tarde naquele dia que se tratava de uma das suas paixonetas que, neste caso, estava associada à fonética. Passo a explicar: No dia em que o meu irmão conheceu a rapariga ela contou-lhe uma história sobre uma espécie de águia, a águia-pescadora ou Pandion Haliaetus, conhecida lá para as bandas de onde ela vinha como “L’aquila pescatrice”. Foi exactamente pela maneira como ela dizia “L’aquila pescatrice” que ele se apaixonou. A língua italiana tem este encanto. Conhecendo o meu irmão como conheço, não o imagino a olhar duas vezes para uma bonita portuguesa com sotaque de Guimarães, por muito erudita em espécies em extinção que ela fosse, simplesmente pela forma como diria "águia-pescadora". Poderia encontrar outras razões, mas não essas.
Se eu naquele dia tivesse ouvido da boca daquela rapariga um “Oi!”, um “Good morning!”, ou um “Bonjour!”, o efeito teria sido certamente diferente daquele que me provocou o “Buon Giorno!”, assim como teria sido diferente a imagem que eu reteria da míúda com bigodes de leite, até porque também são totalmente diferentes uns bigodes de leite de uma brasileira, de uma inglesa ou de uma francesa. Mas isso é outra conversa. Em relação à fonética, queria apenas acrescentar que tenho visto marcas portuguesas com pretensões de internacionalização com nomes simplesmente indizíveis noutras línguas, e que esse facto pode, por si só, ter um peso considerável no entendimento ou na aproximação do público a um determinado produto.

JMA
Excerto de texto publicado no Semanário Económico/Casual, 2008.

1 comentário:

zamot disse...

Hahaha!
Bem, vou já por este blog nos meus links e passar por cá muitas vezes.

Cumprimentos

Tomás Viana