A recente descativação excepcional de 7,5 por cento das verbas do PIDDAC para a cultura é uma boa notícia.
De facto, temos assistido a um grande debate sobre a importância do sector e o modo como este, nas suas mais variadas vertentes e agora com o tema das “Indústrias Criativas” à cabeça, pode contribuir para o desenvolvimento das cidades e do país. Projectam-se
clusters, promovem-se conferências, exploram-se patrocínios, subsídios e incentivos como o QREN sublinhando-se a ideia de competitividade que lhe está subjacente, mas, pelo que tenho visto, lido e ouvido, há uma enorme incerteza, e uma não menor desconfiança, em relação aos reflexos que, a médio prazo, tudo isto pode ter na forma como olhamos para nós próprios e nos relacionamos com o mundo.
O desconforto com que se fala de investimento em cultura em tempo de crise não é legítimo. A nossa identidade e capacidade de afirmação num mercado global, que é cada vez mais competitivo, estão eminentemente dependentes da cultura e da criatividade, sendo também certo que estas são absolutamente indissociáveis da procura de soluções. Mais do que nunca, precisamos de ser capazes de interpretar a nossa realidade com lucidez para que, de moto próprio, possamos ter ideias que nos ajudem a resolver os problemas que se nos colocam, sejam eles de ordem económica, política, social, ou outras.
Para que a discussão seja pertinente, é também muito importante que sejamos capazes de fazer uma distinção clara entre cultura popular, ou de massas, e alta cultura, ou cultura de elite (que, como escreveu num artigo recente Peter Aspden, colunista do
Financial Times, se encontra “magoada, ensimesmada, voltada essencialmente para os nichos académicos e para o público especializado”), sabendo à partida que estas não têm porque se anular ou substituir entre si, e que, tendo princípios e características diferentes, se cruzam por vezes nas suas finalidades, sejam elas lúdicas ou de formação. Por outro lado, e como muitos pretendem, não podemos medir o interesse e a utilidade pública da cultura pelas receitas que esta gera em função do investimento, seja ele público ou privado, que lhe é anualmente destinado. Parte do problema reside no facto de as pessoas confundirem frequentemente entretenimento com cultura. Os principais agentes e gestores culturais deste país podem e devem ter um papel activo na tentativa de se encontrar uma relação de equilíbrio entre estes dois pontos, não só através da programação, mas também ao criarem condições para que as infra-estruturas e os recursos humanos existentes sejam devidamente rentabilizados para projectos que possam contribuir para a mudança de mentalidades e servir de estímulo às economias locais.
O desenvolvimento de novas tecnologias associadas à internet deu origem a uma série de fenómenos que estão directamente relacionados com o evoluir das redes sociais e que abriram caminho à proliferação de
reality shows, concursos e afins, que promovem a obsessão pela fama e o endeusamento de uma série de “personalidades” sem talento. Criou-se uma subcultura que anda de mãos dadas com os interesses financeiros e as lutas de audiências que todos conhecemos, e que não só nos nivela por baixo como nos retira espírito crítico e o critério de avaliação em relação àquilo que é bom ou mau. E a maior parte das vezes é mesmo mau.
Sir Ken Robinson, autor do best-seller
The Element, considera que “um dos inimigos da criatividade e da inovação, especialmente em relação ao nosso próprio desenvolvimento é o senso comum”, e em Portugal o senso comum, que é onde estão as audiências e/ou o capital, tem duas subcategorias muito fortes: a primeira onde o “entretenimento” prevalece sobre o “saber”; e a segunda em que está absolutamente politizado, institucionalizado e atado a chavões como “criatividade”, “inovação”, “sustentabilidade”, entre outros, que não se sabe muito bem como utilizar. Resta-nos depois uma categoria à parte, onde se encontram os poucos que possuem os meios e os recursos humanos para, de uma forma sóbria e competente, nos irem mostrando que é possível fazer mais, melhor e diferente, e dentro desses poucos identifico uma ou duas instituições privadas de craveira mundial, mas que, de tal maneira fogem à norma, que são mais movimentos de contracultura, enquanto contrapeso ao
establishment, do que outra coisa.
JMA.