sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Os Moreira.



A Dona Palmira diz, com muita graça, que foi já há 29 anos que se casou, e veio de casa dos pais para ali para Matosinhos, para a Heróis de França. “Nos primeiros tempos chorava de manhã à noite”, até que um belo dia o marido, o Senhor António, se zangou com ela e lhe disse que, se ela não queria estar ali com ele, a ia levar onde a tinha ido buscar, que não queria ali ninguém contrariado. Foi “trigo limpo, farinha amparo”, e viram os filhos a crescer ali na rua e são felizes até hoje. Há 26 anos pegaram no Salta o Muro e, desde aí, fazem também felizes todos aqueles que ali entram para saborear os seus petiscos. Da mobília desta casa fazem parte a Carla, que tem uns olhos de um azul caribenho, e o Augusto, um leixonense ferrenho que ostenta fantásticas pulseiras e anéis de ouro, que lhe dão um toque distinto no manuseio das travessas. A Carla e o Augusto não são Moreira mas são irmãos, e servem naquele restaurante, respectivamente, há seis e oito anos.
À entrada, atrás do seu balcão (e aquele balcão é mesmo dele, porque dali nunca o vi sair, a não ser para se sentar numa das mesas livres para comer com o pessoal, quando terminado o serviço) temos sempre o Sr. António que, de caneta Bic atrás da orelha, vai recebendo quem chega. Quem vai ao Salta o Muro sabe que, à partida, vai esperar, e de pé, o que não é necessariamente um problema, uma vez que o Sr. António sabe bem como entreter os clientes com uns jaquinzinhos fritos, quando os há, umas tiras de presunto cortadas na hora, broa, azeitonas e umas lambretas como só ele as sabe tirar. Uma vez sentados à mesa, são-nos enunciadas, em voz rouca pela Carla, ou numa voz mais aguda pelo Augusto, as iguarias do dia, que são sempre diferentes e boas. Bacalhau assado na brasa, robalo grelhado, raia frita, salmonete, sardinhas (no tempo delas, e ali o tempo delas é levado a sério), ou a caldeirada de peixe, são algumas das sugestões que aqui deixo ficar. Uma vez orientadas as coisas na cozinha, a Dona Palmira faz uma visita às mesas, sempre com uma história engraçada para contar, do tempo em que a Maria Cachucha era nova e as histórias começavam por “Era uma vez...”. Diz-me sempre, “sabe que a vida, às vezes, é complicada mas é muito bonita”. No fim do jantar é-nos servida uma das melhores mousses de chocolate do país.
A decoração é rústica, com as madeiras pintadas de “verde água”, e remete para a época em que o Salta o Muro ainda era uma mercearia e não tinha esse nome, e os trabalhadores das docas saltavam o muro das traseiras para ali irem petiscar qualquer coisa. Os preços por refeição ficam entre os 10 e os 15 Euros.
Podia deixar aqui o número de telefone, mas não vale a pena, uma vez que não se aceitam marcações. O nome da rua está na ali atrás, na primeira frase do texto, e o número da porta é o 386.

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