quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Épater le Bourgeois


A ideia de “work/life balance”, tão em voga noutros países, essencialmente nos do norte da Europa, está ainda num estado embrionário em Portugal. Salvo raras excepções, encontramo-nos ainda no ponto em que se considera competente quem sai às oito ou nove da noite do trabalho, e incompetente, preguiçoso, ou até sindicalista, quem se organiza para sair a horas “normais”, e ter vida própria. Por outro lado, as grandes empresas continuam a confundir os “benefits” que atribuem aos seus colaboradores, como os carros, telemóveis, laptops, seguro de saúde, mensalidade no ginásio, entre outros, com a qualidade de vida, maior ou menor, que lhes proporcionam. Naturalmente que há benefícios em trabalhar em empresas que premeiam de forma justa a competência, e promovem a progressão de carreira, mas também não deixa de ser verdade que, muitas vezes, os “benefits” são “areia para os olhos”, representando extensões dos locais de trabalho, e fazendo com que os colaboradores se sintam obrigados a estar disponíveis a horas em que é suposto estar com a família, com os amigos, ou simplesmente a descansar. Os “benefits” nem sempre trazem benefício.
Nunca houve tanto show-off e, a certa altura, “sabe-se o preço de tudo mas não se sabe o valor de nada”.
O brasileiro Millôr Fernandes disse uma vez: “Pode ser difícil encontrar agulha em palheiro, mas não descalço”. Todos sabemos que nem sempre é fácil encontrar o emprego ideal, mas se nos “descalçarmos”, (e digo isto essencialmente para aqueles que andam à procura do primeiro emprego) - e descalçarmo-nos pode, até certo ponto, significar arriscar áreas que nos digam alguma coisa e que tenham a ver com o nosso perfil em detrimento de alguns dos tais “benefits” que às vezes nos iludem durante anos - teremos certamente uma maior probabilidade de ter sucesso na profissão que escolhemos.
Vejo também que há uma obsessão desmesurada com o academismo. As pessoas saem das universidades e continuam automaticamente o ciclo de aprendizagem nos mestrados, doutoramentos, etc., o que faz com que tenham uma perspectiva teórica do mundo do trabalho, por um lado, e uma enorme falta de noção em relação ao modo de aplicar os conhecimentos adquiridos por outro, e dentro deste grupo encontram-se alguns professores universitários. Mais importante do que decorarmos supostas técnicas ou fórmulas mágicas é sabermos interpretar realidades específicas e em constante mutação, e ter instinto para reagir, antecipando problemas e soluções. É um processo que se prende mais com a cultura do que com qualquer outra coisa. Obviamente que não pretendo anular o valor intelectual e o empenho que estão inerentes a um mestrado ou um doutoramento, quando feitos a seu tempo e com uma aplicabilidade concreta, mas sim dizer que acho que não vale a pena fazer-se, um ou outro, exclusivamente para se “puxar pelos galões” numa entrevista de trabalho. Falta “mundo” a uma grande parte dos nossos profissionais, e quando digo “mundo” não é propriamente o mundo que encontramos numa viagem, por melhor que esta seja - até porque, hoje em dia, até as viagens são “de pacote”, oferecendo às pessoas amostras tipo “conserva” de diferentes recantos do mundo, sem grandes margens para o lado romântico da descoberta – mas, essencialmente, falta-lhes ler muito, conhecer pessoas novas, andar a pé, ver filmes antigos, ouvir música para além daquela que está nos postos de escuta da Fnac, saber como improvisar um receita, ou arriscar mudar de emprego.

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