quarta-feira, 25 de março de 2009

Hora de Verão.



Tchekhov disse uma vez que “quando as pessoas são felizes, não reparam se é inverno ou verão”. Eu reparei que começou a primavera, e isso porque, com ela, e a partir do próximo domingo, ganhamos uma hora de luz, que até Junho se desdobra em duas.
Para mim esta hora é autêntica panaceia, e sei que também traz felicidade a muita gente.
Acho que somos um povo com dupla personalidade, que alterna com a mudança de hora, e que tem os seus picos de bipolaridade no dia 21 de Dezembro e no dia 21 de Junho.
Quando penso num dia 21 de Dezembro às sete da tarde, imagino-me a sair do trabalho, noite cerrada, frio, chuva intensa, camisola, casaco, cachecol, chapéu e botas. Há um ruído intenso, que é um mix entre as canções de natal vindas de altifalantes de rua foleiros e o som das buzinas dos carros. Ao volante, contribuo para um trânsito infernal, que é intensificado por um autocarro que, todos os dias 21 de Dezembro, avaria na parte mais complicada da cidade, e por todos aqueles que, como formigas, se dirigem para tudo quanto é centro comercial, para fazerem as últimas compras de Natal. Chegado a casa, é brincar um bocado com as crianças, deitá-las e, enquanto preparo o jantar com a minha mulher, abrir uma garrafa de vinho e conversar sobre o dia que tivemos, que acaba por ser grande parte dele noite. Ao serão um filme, ou dez ou quinze páginas de um livro que, passados dez ou quinze minutos, nos levam para parte incerta da consciência, o que me obriga a retroceder mais ou menos página e meia, na vez seguinte que lhe pego. Por outro lado, às sete da tarde de um dia 21 de Junho, imagino-me a sair do escritório, em mangas de camisa, e sentir que o ar está mais quente na rua do que na sala onde passei o dia. O sol está ainda alto. Ouço o som de um piano mal tocado vindo de uma janela aberta num terceiro andar de um prédio antigo, e há turistas avermelhados por todo o lado. No carro há um cheiro intenso a parafina derretida vindo da prancha que será, em poucos minutos, instrumento de exorcismo de todos e quaisquer problemas acumulados durante o dia. Chego à praia e, dentro de água, encontro aqueles que, todos os dias 21 de Junho, ali partilham umas ondas de verão. Passa uma hora e meia e ainda é dia. É o maior dia do ano. A minha mulher chegou entretanto, e os meus filhos brincam na areia com o cão, que é cadela. Ficamos uns minutos a ver as luzes que, uma a uma, se acendem na cidade. Troco o fato de surf por uns calções e uma t-shirt, e vamos comer uma sardinhas a um restaurante perto da lota que está com as mesas na rua. Em casa, com as janelas escancaradas para a rua, ouço um bom disco ao mesmo tempo que acabo com a garrafa de vinho que sobrou do jantar do dia anterior.
Ah, bendita “hora de verão” que a primavera nos traz.

JMA.

Photo: Trent Parke & Narelle Autio

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