Não há nada pior do que “estar na moda”. Numa estação têm um look executivo, para seis meses depois passar a ser hippie-chic, e depois punk. Do amarelo-limão passam para o preto, depois para o azul-eléctrico, e por aí fora, entre novos cortes, padrões, e texturas. Não há uma linha. Mais importante do que estar na moda é ter um estilo próprio, o que não quer dizer que este não possa ser eclético em relação aos diferentes momentos e actividades do dia, ou naturalmente adequado a cada uma das estações do ano.
Há pessoas que, independentemente da sua origem ou classe social, tem aquilo a que se chama allure – algo que se pode traduzir como a qualidade de se ser misteriosamente atractivo ou fascinante. É algo com que se nasce, uma característica intrínseca, que não se prende necessariamente com a estética tal como a entendemos nos nossos dias - e que se aproxima da definição de Kierkegaard para o “estádio estético” da existência humana, que implica o imediato, o finito - mas antes com a Estética enquanto disciplina filosófica que, segundo a sua definição clássica, tem como objecto de estudo a “essência” e a “percepção” da beleza, assim como as suas formas de representação na arte e na natureza, e os seus efeitos sobre os receptores. O allure projecta a beleza na mesma proporção em que a falta dele a anula, isto é: há pessoas que, num primeiro contacto, não nos atraem mas que, aquando de um conhecimento mais profundo, nos revelam características que acabam por ter em nós um efeito contagiante e, no plano inverso, há outras que, pelas suas características físicas, são atraentes mas que, após um primeiro contacto, nos desapontam em relação à expectativa criada.A moda da moda (porque a moda enquanto conceito sócio-cultural ultrapassa hoje largamente o âmbito do traje e o estrito acompanhamento das tendências que lhe estão associadas) desencadeou, num curto espaço de tempo, um processo que culmina numa estetização da sociedade em detrimento de uma cultura mais profunda e intelectualmente sustentada. A aparência nunca esteve tão intimamente associada à ideia de sucesso, ou de estrelato, como nos nossos dias. Há uma base comum a quase todas as áreas criativas, e não só, que é sustentada pela aparência.
Um pouco por todo o mundo, actores-modelos ou modelos-actores (já perdi o fio à meada) proliferam em produções fotográficas, filmes, anúncios, séries de televisão, telenovelas e bandas pop que vendem milhões de discos, ao mesmo tempo que impingem os seus “dialectos” e as marcas de roupa que vestem a toda uma geração de adolescentes. O facto de não saberem cantar não representa qualquer tipo de problema porque, na pior das hipóteses, alguém há de cantar por eles. Embora numa escala diferente, e numa clara declaração de que num mundo mediatizado “tudo é possível”, o efeito atinge o seu potencial máximo com situações como a chegada de uma ex-manequim, também cantora, ao Eliseu – Carla Bruni é primeira-dama em França.
Perante toda esta histeria estética li há tempos a seguinte frase: “A elegância é algo que deve ser sussurrado e não gritado”. De facto, é uma frase que, à partida, não tem nada de especial, mas que acaba por ser revolucionária, na medida em que vai contra as “tendências” em voga. No meu entender aponta para algo que não se prende necessariamente com o poder de compra, com determinadas marcas ditas “de luxo” ou logótipos gritantes, mas antes com a genuinidade, o carisma, a personalidade, e o tal allure de que eu falava. É uma ideia que remete para aquelas poucas pessoas que conseguem dar um efeito deslumbrante a um vestido comprado por 20 euros na loja da Cruz Vermelha, quando a norma é precisamente o inverso. E, se pensarmos bem, muito embora no seu contexto original esta ideia se aplique a pessoas, adequa-se também à música, a uma obra de arte, a uma casa, a uma loja, ou a um restaurante.
JMA.
Publicado no Semanário Económico (2008).
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